Tarifa zero é solução para o transporte público no Brasil



Quando um sistema entre em crise, todas as saídas paliativas não passam de remendos históricos, que logo rebentarão diante do rio caudaloso da História. E diante de uma situação de crise de um sistema, cabe àqueles que sempre o contestaram indicar claramente quais são suas perspectivas estratégicas, seu sistema substituto. Ou seja, um sistema que seja condizente com seu momento histórico, e com as necessidades da sociedade que dele se utiliza. Florianópolis viveu dois momentos de profunda radicalização na cidade, em 2004 e 2005. Duas revoltas intensas, de semanas de duração, enfrentamento, e violência Estatal, com prisões arbitrárias, utilização de armamento ilegal, etc. Essas revoltas ocorreram como expressão do desgaste, da “falência” – não no sentido financeiro, mas social e moral –, do Sistema de Transporte Coletivo Urbano.

Elas expuseram uma contradição fundamental e insustentável: a necessidade de um transporte coletivo público e voltado para os interesses do desenvolvimento da sociedade, das forças produtivas em geral, e a realidade de um sistema falsamente “público”, controlado por famílias oligárquicas e atrasadas – ou mesmo por grandes corporações internacionais –, e que se pautam fundamentalmente pelo lucro, e não pela res pública. Ou seja, o transporte coletivo é visto como um grande mercado, uma fonte de apropriação de fatias gordas do orçamento das famílias, uma fonte de poder econômico e político. E como tal, interessa que esse sistema seja mantido para esses mesmos grupos.

Acontece que na sociedade existe luta de classes. Que nessa contradição há interesses opostos, e que toda exploração tem seu grau de limite. O dos transportes públicos chegou.
Além das históricas Revoltas da Catraca, em 2004 e 2005 em Florianópolis, a Revolta do Buzú em Salvador, em 2003, e revoltas similares que derrubaram ou contestaram tarifas em Vitória (ES) 2005, Uberlândia (MG) 2005, Criciúma (SC) 2005, Fortaleza (CE) 2005, e Recife (PE) 2005, mostraram que essa é uma onda inevitável. Nesse momento Brasília (DF) e Aracajú (SE) estão em lutas contra aumento de tarifas nos transportes urbanos. E essa onda não vai parar, pelo fato concreto de 38 milhões de brasileiros não terem acesso aos transportes em virtude suas tarifas, e desse número crescer a cada tentativa de novo aumento nos preços.

Existe solução. Ela dependerá de uma combinação bem sucedida de fatores: mobilização popular, concepção estratégica de um modelo de sistema de transportes, e direção/determinação política em aplicá-lo. Do ponto de vista da mobilização popular, há uma expectativa bastante positiva, como saldo de duas vitórias consecutivas (2004/05), e da grande demonstração de força da população nas duas revoltas. Do ponto de vista do modelo, cabe fazer a ampla discussão na sociedade. Nossa determinação é a de ousar. Pensar o transporte como serviço público essencial. O transporte coletivo deve ser retirado das mãos da iniciativa privada, como fator fundamental para superar a pauta da  lucratividade, que é a questão essência que exclui milhões de pessoas do transporte. O transporte deve ser gerido pelo poder público, municipalizado, voltado para os interesses da coletividade, e pautado numa outra forma de financiamento. Ou seja, é preciso pensar numa nova forma de tributação que onere os setores que verdadeiramente se beneficiam do funcionamento diário do transporte coletivo, e não os usuários. Os setores que se beneficiam são os grandes industriais, as grandes empresas de comércio, os detentores dos grandes meios de produção e de circulação de mercadorias. A inversão da lógica “do paga quem usa, para o paga quem se beneficia” é um instrumento importante de democratização do acesso ao transporte coletivo.
 
Com os impostos que o povo brasileiro paga – um dos maiores do mundo –, com o que pagamos de juros, com a distribuição esdrúxula de renda que possuímos, com as opções políticas que isentam os empreendimentos milionários – como o “Costão Golf ” no Santinho – não há dúvidas de que é possível pensar num transporte coletivo público, gratuito e de qualidade, exatamente como deveriam ser a educação e a saúde. É possível!