O Funk grita por socorro!



A “Lei do Pancadão” está valendo em São Paulo. Tocar funk em volume mais alto do que uma conversa normal gera multa de 1 mil reais ao dono do carro estacionado, valores que podem ser duplicados e quadruplicados nas reincidências. Com o “Proibidão de Haddad”, vencem a criminalização do gênero musical e a sociedade que abomina a mais popular manifestação dos jovens das periferias.

O Decreto 54.734 (30/12/2013), assinado pelo prefeito Fernando Haddad, proíbe o som alto de aparelhos de som instalados em carros na cidade de São Paulo. Em qualquer hora do dia, o nível de emissão de ruídos não pode ultrapassar os 50 decibéis, o que equivale a uma conversação normal. Nas zonas residenciais, o limite é de 45 decibéis (um diálogo silencioso) entre 22 horas e 7 manhã. A legislação, que poderia ter sido criada na época do auge do rap, sertanejo, forró ou pagode, tem como alvo preferencial o funk.

Em entrevista à rádio Estadão, o coronel Camilo (PSD), vereador autor do projeto que resultou na lei regulamentada por Haddad, afirmou: “Os pancadões é o que mais incomoda o cidadão de São Paulo. Acontecem de 300 a 400 por final de semana e as pessoas não conseguem dormir. É o som alto, a bebida na rua, é o uso irregular do solo para shows, mas se não tomar providência isso vira um caso de polícia.”

A criminalização do funk já havia sido apontada como um sério problema pelo secretário municipal de Cultura, Juca Ferreira. Em um encontro promovido pela pasta, dialogou com artistas e produtores do funk paulista. Sua fala, à época, representa uma derrota de seu ponto de vista:

    O funk faz parte de uma realidade de afirmação, de expressão, de desejo, de alegria. A expressão corporal é uma tradição da nossa população. O funk está ligado ao direito de dançar. Como dizia um grupo na Bahia, ‘quem não dança dança’. É um direito que muitas vezes os cidadãos mais conservadores da nossa sociedade não conseguem compreender. É um direito, um direito cultural, um direito fundamental. Faz parte da saúde e da qualidade de vida das pessoas. Como você vai cercear uma coisa dessas? A não ser que você tivesse algo muito melhor para oferecer, mas mesmo assim não acredito que uma postura correta fosse proibir.

São Paulo não é a primeira, nem a última cidade a criar leis para proibir o som alto tocado em carros nas ruas. Cidades como Peruíbe, Diadema, Osasco, Barueri, Carapicuíba e Fortaleza foram pioneiras nessa iniciativa. A Assembleia Legislativa do Paraná aprovou legislação semelhante. O deputado federal Junji Abe (PSD-SP) apresentou o projeto de Lei (6080/2013) para estender a proibição dos “pancadões” para todo o Brasil. A relatora Marina Sant’Anna (PT-GO) pediu a rejeição do projeto, mas considera a iniciativa colega “louvável”. Segundo a parlamentar, os artigos 42 da Lei de Contravenções Penais (de 1941) e os 227 e 228 do Código Brasileiro de Trânsito (de 1997) já prevêem multas a quem perturbar o “sossego alheio”. Afinal, parece que é só disso que se trata.

MC Dede, um dos maiores expoentes do funk paulista, consegue ver um lado positivo, já que ele mesmo se incomoda com as cenas de consumo de drogas que presencia, o incomôdo das pessoas mais velhas e a falta de organização nos bailes improvisados. “O funk gera muito fluxo de rua, então se rolar a proibição as casas de shows vão passar a contratar mais”, afirma. O funkeiro realiza cerca de 40 bailes por mês, cada um deles a um custo de R$ 8 mil. Ele entende que por trás do espírito da lei paira uma perseguição e um preconceito da sociedade em relação ao gênero. “(A lei) Não tira nossa essência. Se isso surgiu na periferia, é a própria periferia que tem que brigar para ver o funk em melhor ambiente. Quem vem de fora acha a gente desordeiro, bagunceiro, mas vai passar anos e anos e o estilo musical mais tocado e ouvido ainda será o funk.”

A perseguição ao funk remete ao surgimento do samba no Brasil. Negros da Bahia migraram para o Rio e se instalaram nos bairros da Saúde e da Gamboa e nos arredores da praça Onze. Era na famosa casa de Tia Ciata, a baiana Hilária Batista de Almeida, na praça Onze, que políticos, empresários e outros abonados se reuniam para comer e dançar ao som do “pagode”. Pixinguinha tocava por lá, assim como Donga, autor do primeiro samba brasileiro, de 1917:

Apesar de bem frequentado, o samba era considerado naquela época um gênero musical de “negros e vadios”, que devia ser tratado como um “caso de polícia”. Na casa de Tia Ciata, a roda de choro na sala sempre dava um jeito de avisar à turma da batucada, que corria solta no quintal, sobre a chegada dos policiais. Mas a perseguição generalizada ao samba e o custo de vida subindo no centro do Rio acabaram por afastar a música e os músicos para os morros, onde o gênero acabou criando novos ares e novos nomes. Nos anos 1930, o samba invadiu as rádios e se firmou com o surgimento dos blocos carnavalescos.

Fonte: Socialista Morena